quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Período Colonial da Chapada Diamantina

 




 Período Colonial da Chapada Diamantina


"O povoamento não indígena dessa área interiorana teve início ainda no século XVII, mas os processos migratórios que mais marcaram a região aconteceram predominantemente no final do século XVIII e primeira metade do XIX,com a exploração de minério por meio do garimpo", como afirmou Gabriel Banaggia 

A primeira bandeira a penetrar a Chapada teria ocorrido em 1560 por Vasco Rodrigues Caldas, "fidalgo português, foi vereador na Bahia", que teria se solicitado a Mem de Sá autorização para penetrar nos sertões nos moldes da anteriormente realizada por Francisco Bruza Espinosa e, partindo pelo rio Paraguaçu, foi possivelmente o primeiro colonizador europeu a atingir a Chapada Diamantina, nas regiões hoje das cidades de Itaetê, Nova Redenção e Andaraí.[16] Em carta do padre Manuel da Nóbrega, este teria registrado que ele "destruiu aldeias, massacrou e trouxe muitos cativos para Salvador" e, noutra expedição dois anos depois, em informe do padre Leonardo Valle, teria retrocedido ante a resistência dos tupinaés.[17]

A descoberta de ouro no Rio de Contas Pequeno, quando era vice-rei Miguel Pereira da Costa gerou um extenso relatório por seu "Mestre de Campo do Engenho", em 1721, como registrou Urbino Vianna. Em razão desta descoberta, quando era vice-rei o Conde de Sabugosa, este manda erigir vilas - como Minas do Rio de Contas e acobina, e estradas de comunicação entre estas e as zonas mineiras ao sul e ao litoral, ao norte.[18]

A colonização do sertão não foi obra pacífica, nem as bandeiras e entradas em busca de ouro e pedras preciosas tiveram facilidades, e Oliveira Viana registrou: "cada curral avançado no deserto é uma vendeta contra a selvageria. Cada sesmaria, um futuro campo de luta. Cada engenho uma fortaleza improvisada." (pág. 91) Registra Urbino Vianna que no século XVII "Jacobina e Rio de Contas estabeleceram um dique aos crimes, que se perpetravam em número assustador", tendo ocorrido apenas em Jacobina, entre 1710 e 1721 "quinhentos e trinta e dois homicídios por armas de fogo."[18]

Urbino Vianna reporta ainda que "um dos vultos notáveis" da penetração colonialista nos sertões baianos foi Antônio Guedes de Brito, possuidor de cento e sessenta léguas de terras" a partir de sua morada, em Morro do Chapéu; fundara o morgado Guedes de Brito e, sendo ele membro da Casa da Ponte, esta grande porção territorial encontrava limites somente com as pertencentes à Casa da Torre. (pág. 138)[18]

 

Chapada Velha" - o ciclo do ouro

Casa de Câmara e Cadeia, em Rio de Contas: registro da riqueza no "ciclo do ouro" da Chapada.


A exploração aurífera iniciara-se primeiro em Jacobina e, logo a seguir, em Rio de Contas. Num primeiro momento o Conselho Ultramarino decidira proibir a mineração, receando assim esvaziar as Minas Gerais mas, ante a continuidade da exploração clandestina, voltou atrás a ponto de, na década de 1726, mandar nas duas vilas construir casas de fundição para assim exercer controle sobre a grande produção. 

Registrou o militar Durval Vieira de Aguiar que "o Rio de Contas nadou em ouro, de uma maneira tal que pareciam exageradas as arrobas de que falam os arquivos da Câmara e os próprio Compromissos das Irmandades. A moeda corrente era o ouro em pó ou em barra; sendo a oitava quase que a unidade monetária". 

Sobre o desenvolvimento da região aurífera da Chapada o historiador Licurgo Santos Filho, no seu Uma Comunidade Rural do Brasil Antigo, registra que o povoamento iniciara-se às margens do rio Brumado (também denominado "rio de Contas Pequeno", à época), onde hoje se acha a cidade de Livramento de Nossa Senhora, arraial que em 1724 se emancipara e, em razão de epidemias que ali grassavam, tiveram autorização para mudarem a sede, erguida onde hoje está a cidade de Rio de Contas, passando Livramento a ser conhecida como "Vila Velha" 

Santos Filho registrou que a nova povoação "prosperou (...) surgiram e multiplicaram-se as casas de taipa, de porta e janela, moradias dos mineiros e dos novos habitantes, comerciantes e homens de negócio, artífices e homens de ofício, autoridades, gente da Igreja, o cirurgião-barbeiro, o boticário, afinal, toda a população de uma vila florescente, afamada pelo ouro extraído em suas cercanias". O autor fala ainda que para lá acorreram "milhares, talvez, de cristãos-novos", ali refugiados das devassas no Reino, de tal forma integrando-se na vida local que, ao se instalar o "Familiar do Santo Ofício, Miguel Lourenço de Almeida", não há registro de qualquer perseguição, limitando-se este ao papel de "senhor feudal". Registra, ainda, as estradas da "rota de currais" pelas quais escoavam a produção e comunicava-se a região com a capital, os estados de Goiás e Minas Gerais, e também ao Piauí. 

Durval Aguiar aventa como possibilidades então narradas para o fim desse ciclo as "exigências do opressivo imposto do quinto, feitas pelos agentes do fisco em favor do reino de Portugal; outros dizem que o governo português, no intuito de não provocar a usura dos invasores holandeses, a mandou proibir; outros, mais razoavelmente, asseveram que a mineração do ouro, já um tanto enfraquecida por todos esses e outros embaraços, só veio a cessar em 1844 quando foram descobertas as primeiras lavras de diamantes do Mucugê e Lençóis, que tanto floresceram de 1848 a 1872."[ 

O fato é que o escasseamento do ouro de aluvião provocara o esvaziamento da região em menos de um século, a ponto de em sua passagem de 1818 pela região da Chapada os naturalistas Spix e Martius registrarem que ali havia raros garimpeiros, sendo maiormente habitada por roceiros e, segundo lhes informara o vigário do lugar, na parte oriental da Chapada (de Rio de Contas a Jacobina), havia somente nove mil pessoas. Pouco tempo depois, em 1822, a Chapada participou das lutas pela Independência da Bahia, segundo o historiador Luís Henrique Dias Tavares, “Foram os brasileiros que de fato libertaram a cidade do Salvador de armas nas mãos. Primeiro foram os brasileiros de Santo Amaro, Maragojipe, Cachoeira, São Francisco do Conde, Nazaré das Farinhas, Jaguaripe, que formavam um exército de esfarrapados. Depois, entraram os brasileiros que desceram lá de Caetité, do Sertão e da Chapada Diamantina, formando um exército das mais diferentes cores, de brasileiros filhos de escravos, descendentes de escravos, brasileiros brancos pobres que nada tinham além de uma roça de cana plantada para o senhor de engenho” 

ciclo do diamante

O Museu Vivo do Garimpo, em Mucugê, numa típica casa de pedras dos tempos do garimpo

A região originalmente denominada "Lavras Diamantinas" veio a denominar toda a Chapada e "marca uma divisão histórica dos municípios pertencentes à região conforme apresentassem ou não possibilidade de extração da pedra. As cidades mais antigas pertencem assim à região das lavras, no centro da Chapada Diamantina", como assinalou Gabriel Banaggia.[ 

Com o título de Diamond Mine of Sincura, o jornal australiano The Maitland Mercury registrava, já em 1842, a existência da mineração na região da Serra do Sincorá, falando da insegurança na região do garimpo e da qualidade dos diamantes ali encontrados. A notícia narra que a descoberta dos diamantes fora feita por um escravo que, em outubro de 1841, tentara vender 700 quilates da pedra e fora aprisionado; sem dele conseguirem obter a indicação de onde estavam os diamantes, então permitiram-lhe a fuga convenientemente e puseram indígenas experientes para segui-lo, vindo a capturá-lo com o tesouro próximo a Cachoeira - então a segunda maior cidade do estado, confirmando a existência das pedras. Foi pesquisada então uma vasta área do Paraguaçu o entorno da serra do Sincorá, e as minas foram descobertas. 

Assim, já nos meses iniciais os primeiros aventureiros ("condenados e assassinos") para lá acorreram. Logo milhares de pessoas estabeleciam os povoados, chegando Lençóis a contar com vinte mil pessoas e três mil casas. Sem a presença estatal, os próprios mineiros estabeleceram seu código de regras. Três quintos da produção foi para a Inglaterra, um quinto para a França e Hamburgo e o quinto restante aos comerciantes do Rio de Janeiro e Salvador - uma quantidade tão grande que os lapidadores da Europa não conseguiam lapidar a metade e o preço da joia ameaçava desvalorizar-se. ]

De sua passagem pela Chapada em 1880, registrou Teodoro Sampaio na obra O Rio São Francisco e a Chapada Diamantina: "Se, porém, quisermos determinar com mais precisão a zona diamantífera, no interior da Bahia, teríamos de destacar, entre os onze graus e os catorze graus de latitude sul, o mais largo trecho da chapada, cujos limites por linhas naturais seriam, a começar pelo oeste: o rio São Francisco desde o Xiquexique até a barra do Paramirim, e por este acima até as suas nascentes no pico das Almas, daí pelo curso do rio Brumado até sua barra no rio de Contas, seguindo depois por este abaixo até onde lhe entra pela esquerda o rio Sincorá. Daí, tomando para o norte, sobe o Sincorá até as suas cabeceiras e, transpondo a serra do mesmo nome, ganha as nascentes do rio Una, cujo curso desce até sua foz no Paraguaçu. Remonta o curso deste até a barra do rio Santo Antônio, e subindo por este acima vai até a foz do rio Utinga, cujo curso subirá até as suas cabeceiras nas vizinhanças do morro do Chapéu, e, prosseguindo ao norte para além das nascentes do rio Jacuípe, sobe até o paralelo de onze graus de latitude sul, que ficará sendo o limite do lado setentrional

A lavra dos diamantes se dava inicialmente no leito dos rios Cumbuca, Piabinha e Mucugê, bem como nos riachos e córregos afluentes. Mas mesmo áreas hoje centrais de povoamento, como o centro de Mucugê, também foram garimpadas. A divisão das partes dos rios entre garimpeiros legou alguns nomes daqueles que ali detinham a posse da lavra, como a Cachoeira do Tiburtino no Cumbuca, ou o poço de Zé Leandro, nomes que remetem aos gruneiros que ali trabalhavam, mesmo sem que tivessem a propriedade das terras, e que permaneceram até a atualidade 

Essa atividade impactou não somente na vegetação nativa, como alterou mesmo o leito de rios em sua profundidade, curso e velocidade do fluxo pois, além da mineração diretamente neles, a atividade necessitava de bastante água para lavar o "cascalho", de forma que nos tempos em que não havia bombas, eram feitas barragens e aquedutos para os locais distantes dos leitos ou para cursos d'água secos na estiagem, onde chegavam por ação da gravidade, ainda existindo muitos vestígios dessas obras antigas, como ainda das casas de pedras erguidas muitas vezes junto aos paredões de rocha, grutas (ou "grunas"), que assim se tornavam elementos da arquitetura e são atualmente mais um dos atrativos turísticos. 


                                             

 

Carbonado: de "ferrujão" a tesouro mineral

O carbonado é uma forma de diamante de grande dureza que, durante a exploração da pedra preciosa na Chapada era simplesmente descartada pelos garimpeiros, que a chamavam de "ferrujão". Assim como a joia, era encontrado no meio do cascalho, nas áreas de aluvião e foi apenas a partir de 1870 que se descobriu sua utilização industrial e passou a ter valor comercial, sendo a região um dos únicos depósitos então conhecidos 

Na chapada, segundo registrou Gonçalo de Athayde Pereira, seu comércio foi introduzido pelo francês Albano Chabaribère, que residia na região das Lavras, adquirindo-os pelo valor de 160 réis por oitava (medida equivalente a 17 quilates). O maior carbonado já encontrado pesava 3 167 quilates, pelo velho garimpeiro Sérgio Borges de Carvalho no garimpo do "Brejo da Lama" (a 10 km da cidade de Lençóis). Foi então vendida para o comerciante José Bezerra por 114 contos de réis. Toda a produção era exportada, pois não existia seu uso no Brasil à época, tendo por destinos a Europa e Estados Unidos. 


                               

                                 

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Chapada Diamantina e suas Serras